A Fronteira Amapá (Brasil) e Guiana Francesa (França): desafios compartilhados, caminhos possíveis

Gutemberg de Vilhena Silva

Professor-pesquisador da UNIFAP, Diretor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amapá e coordenador geral do Amapá na COP30

Email: gutemberg@unifap.br

Diante da emergência climática, do avanço da destruição da biodiversidade e da intensificação das desigualdades sociais e territoriais, a Amazônia volta ao centro do debate global. A realização da COP 30 em Belém do Pará, em 2025, coloca a região amazônica — em suas múltiplas escalas — como um território- chave para pensar respostas planetárias à crise civilizatória. Nesse contexto, a chamada “Amazônia Europeia”, representada pela Guiana Francesa, e a “Amazônia Brasileira”, que inclui o estado do Amapá, devem ser compreendidas como partes integrantes de uma mesma complexidade socioambiental que transcende fronteiras nacionais e exige ações articuladas de longo prazo.

A COP 30, além de fórum político e diplomático, será uma vitrine para as soluções que emergem dos próprios territórios. Por isso, pensar a cooperação transfronteiriça entre o Brasil e a França no coração da floresta é uma forma de ensaiar práticas inovadoras de governança, proteção ambiental, valorização dos saberes tradicionais e justiça climática.

A fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa é um território singular. Não apenas por marcar o encontro entre o Brasil e a França em plena Amazônia, mas porque carrega em seu cotidiano a complexidade de múltiplas pertenças, identidades cruzadas e dinâmicas geopolíticas únicas. Entre o rio Oiapoque e a floresta que os conecta, está uma das regiões mais emblemáticas — e desafiadoras — da cooperação internacional em biodiversidade, circulação e desenvolvimento sustentável.

Desde 1996, Brasil e França firmaram um acordo-quadro que abriu espaço para ações conjuntas ao longo da fronteira. A criação da ponte binacional (Figura 1), inaugurada apenas em 2017, parecia ser o símbolo dessa nova era. Mas aprendemos que a infraestrutura física não basta: é preciso também construir pontes simbólicas, institucionais e humanas. Ao longo de mais de duas décadas de pesquisa e atuação na região das Guianas, apresentado uma das sínteses de nossa pesquisa em livro recente (www.projetoguianas.com.br), mas também em outras produções (ver em https://www2.unifap.br/potedes/), observamos que a cooperação real se dá quando escutamos as populações locais, valorizamos os saberes indígenas e tradicionais e criamos espaços contínuos de diálogo.

Figura 1 – Ponte binacional entre o Amapá e a Guiana Francesa

As Comissões Mistas Transfronteiriças (CMTs), por exemplo, mostraram que é possível alinhar agendas entre os dois países, inclusive com financiamento compartilhado ou estrategicamente pensado para ambos (Figura 2). Nelas, temas como mobilidade, saúde, educação, meio ambiente e segurança são debatidos — nem sempre com soluções imediatas, mas com aprendizados importantes sobre o que é possível quando se trabalha com respeito à diversidade e ao território.

Figura 2 – Alguns dos projetos de fortalecimento de infraestrutura transfronteiriça entre o Amapá e a Guiana Francesa

Nos últimos anos, a pandemia de Covid-19 reacendeu os debates sobre as fronteiras. O fechamento abrupto, as restrições de circulação e a falta de coordenação demonstraram o quanto precisamos reforçar nossa capacidade de cooperação. A biodiversidade da Amazônia, tão rica quanto ameaçada, não reconhece limites políticos — e a ciência, cada vez mais, precisa assumir esse papel de mediadora entre Estados, povos e ecossistemas.

A Guiana Francesa é parte da União Europeia; o Amapá, do Brasil e do Mercosul. Essa diferença institucional — e de acesso a recursos — impõe desafios práticos à cooperação. Ainda assim, os dois lados da fronteira compartilham problemas semelhantes, como o impacto do garimpo ilegal, o controle de doenças tropicais e os efeitos das mudanças climáticas. Essas urgências comuns nos aproximam e reforçam a importância de instituições como o Centro Franco-Brasileiro de Biodiversidade Amazônica (CFBBA), que a partir de 2025, com regimento e regras institucionais, além de editais estratégicos para financiar pesquisadores binacionais, passa a atuar como ponte científica e política nesse processo.

No CFBBA (Figura 3), a ciência missão ganha corpo e legitimidade. Unir Brasil e França em torno de projetos de pesquisa, conservação e valorização da Amazônia é mais do que desejável: é necessário. E a fronteira Amapá–Guiana Francesa pode (e deve) ser referência de como essa cooperação se materializa na prática — com seus avanços, contradições e potencial transformador.

Figura 3 – Foto oficial da reunião do CFBBA em 2025

Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica (CFBBA)

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