A artista por trás do logo do CFBBA

Nathî Cordeiro

Artista Travesti Indígena, estudante de Arquitetura e Urbanismo na UNICAMP e formada em Desenho e Pintura a mão livre

Email: natravesthi@gmail.com

Você pode nos contar um pouco sobre você? Quem é Nathî Cordeiro?

Sou Nathî Cordeiro, uma travesti, pessoa com deficiência (PcD) e em retomada indígena, nascida e criada em Amambai (MS), cidade fronteiriça com o Paraguai. Minha trajetória é marcada pela potência das margens — dos corpos dissidentes, das culturas indígenas em resistência e da arte como ferramenta de insurgência. Atualmente, curso Arquitetura e Urbanismo na UNICAMP e sou formada em Desenho e Pintura a mão livre. Minha atuação transita entre a academia, o ativismo e a criação artística, sempre com um olhar interseccional que entrelaça arte, design e metodologias decoloniais.

Qual é a sua trajetória acadêmica e profissional até aqui? O que te levou a escolher estudar arquitetura?

Minha trajetória acadêmica começou com a formação em Desenho e Pintura a mão livre, mas foi na Arquitetura e Urbanismo que encontrei um campo fértil para pensar espaços como gestos políticos. Escolhi arquitetura porque ela permite transformar territórios físicos e simbólicos — uma forma de materializar lutas por ocupação, memória e pertencimento. Na UNICAMP, integro o Escritório Modelo Móbile e o Ateliê TRANSmoras, onde trabalho com projetos que dialogam com arte e decolonialidade. Além disso, já participei de pesquisas sobre gênero e sexualidade no CIEC e atuei em coletivos como o Núcleo de Consciência Trans (NCT) e a Abya Yala Criativa (AYC), plataforma de moda indígena.

Como você começou a trabalhar com arte, ilustração e design gráfico? Foi algo planejado ou que surgiu ao longo do caminho?

A arte sempre esteve presente na minha vida, mas foi um caminho que se desdobrou naturalmente. Comecei com o desenho e a pintura, e, ao entrar na arquitetura, percebi como o design gráfico e a ilustração podiam ser armas de luta — seja nos movimentos estudantis, indígenas ou trans. Não foi algo totalmente planejado, mas uma resposta às necessidades de comunicação e resistência que encontrei no caminho. Hoje, uso a arte para insurgir narrativas, seja em cartazes, ilustrações ou projetos de ocupação de espaços.

De que forma sua identidade, enquanto artista, pessoa indígena e pessoa trans, se reflete no seu trabalho e nas suas criações?

Minha identidade é o cerne do meu trabalho. Como uma travesti indígena, carrego memórias de resistência que se traduzem em estéticas dissidentes. Minhas criações questionam padrões coloniais, celebram corpos-território e reivindicam espaços para existências marginalizadas. A arte, para mim, é um ato político: cada traço, cada cor, cada composição precisa carregar essa ancestralidade e insurgência.

Para você, qual é o papel da arte no fortalecimento das pautas e das lutas dos povos indígenas hoje?

A arte é uma ferramenta fundamental de denúncia, memória e celebração. Ela traduz lutas complexas em narrativas acessíveis, conecta gerações e ressignifica símbolos coloniais. Para os povos indígenas, a arte é resistência viva — seja na pintura corporal, no grafismo, na moda ou no design contemporâneo. Através dela, reafirmamos nossa existência, combatemos estereótipos e construímos futuros possíveis.

Como você enxerga o movimento indígena atualmente (no Brasil)? Quais são, na sua visão, os principais desafios e avanços?

Vejo um movimento indígena cada vez mais plural e fortalecido, com lideranças jovens, mulheres e LGBTQIAPN+ ocupando espaços. Avançamos em visibilidade e articulação, mas os desafios ainda são brutais: o avanço do agronegócio, a violência contra lideranças e o racismo estrutural. A retomada de territórios e a luta por políticas públicas são urgentes, mas também vejo uma potência criativa enorme, pois estamos cada vez mais usando a arte, o direito e a tecnologia para reescrever a narrativa colonial.

Qual é a sua visão sobre os temas relacionados à conservação da biodiversidade, à proteção da floresta amazônica e ao papel dos povos indígenas nesse contexto?

Como bem sabemos, os povos indígenas são guardiões ancestrais da biodiversidade e nenhuma política de conservação será efetiva sem seu protagonismo. A Amazônia e os outros biomas só ainda existem hoje porque indígenas os protegeram por séculos. O desafio é combater a ideia de que “desenvolvimento” significa destruição e mostrar que nossas práticas tradicionais são soluções reais para a crise climática.

Existe uma mensagem que você gostaria de transmitir através do seu trabalho artístico e, em particular, através do logo criado para o CFBBA?

O logo que criei para o CFBBA constrói uma ponte entre mundos. O japu, com sua cauda colorida voando sobre as copas das árvores, representa o diálogo entre os saberes franco-brasileiros e a sabedoria ancestral amazônica. Seu degradê de cores simboliza essa aliança transatlântica pela biodiversidade, onde o conhecimento científico e tradicional se encontram harmoniosamente.

O voo do japu, pássaro que não reconhece fronteiras, reflete o espírito do CFBBA: uma instituição que ultrapassa limites geográficos para proteger a Amazônia, honrando as memórias e histórias que nela habitam. O design reforça um princípio fundamental: toda pesquisa e ação deve ser realizada com os povos da floresta, nunca sobre eles.

Mais do que um símbolo, este logo é um compromisso visual – com a ciência colaborativa, com a floresta viva e com os saberes tradicionais que, quando unidos, podem construir um futuro mais sustentável. O japu voa para lembrar que conservar a Amazônia é, antes de tudo, valorizar seus guardiões originais.

Você gostaria de compartilhar algum projeto, sonho ou perspectiva para o futuro?

Tenho sonhado com projetos que transformem o olhar da sociedade sobre corpos dissidentes — porque somos nós que gestamos as revoluções. Quero que minhas criações sejam pontes, ferramentas que revelem ao mundo que merecemos ser respeitados e termos nossos direitos garantidos. Meu trabalho existe para abrir caminhos, para que os meus — travestis, indígenas, pessoas com deficiência e todas as existências marginais — não apenas sobrevivam, mas floresçam.

4185D457-00CF-4916-94D7-A931BD8B0751

Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica (CFBBA)

Contato:

pt_BRPT_BR