De Poitiers a Belém: a minha aventura académica e profissional entre a França e o Brasil

De Poitiers a Belém: a minha aventura académica e profissional entre a França e o Brasil Bernard Marimoutou Graduação em Línguas Estrangeiras Aplicadas (LEA), ramo de Negócios e Comércio na Universidade de Poitiers e ex-estagiário na agência de inovação e incubação de startups da UFPA (SInD UFPA). Email: MarimoutouB@gmail.com O meu percurso antes da Universidade de Poitiers Me chamo Bernard Marimoutou, tenho 29 anos e sou um ex-soldado da ativa do exército francês, bem como ex-estudante da Universidade de Poitiers na faculdade de letras e línguas. Tive uma carreira bastante atípica e pude partilhá-la com os meus colegas do curso de bacharelado de LEA (Línguas Estrangeiras Aplicadas) em Negócios e Comércio. Antes de chegar a Poitiers em 2016, deixei minha terra natal, a Guiana Francesa, depois de um ano de estudo superior em administração de empresas. Dadas as circunstâncias que a França estava enfrentando em relação aos ataques terroristas em nosso território nacional, eu me alistei para o serviço ativo militar, embora já fosse reservista da Legião Estrangeira no 3 REI em Kourou. É claro que me alistei porque sempre tive a vocação de servir e descobrir o mundo, apesar de ainda estar enraizado em minhas origens guianenses. Adquiri uma vasta experiência em biodiversidade amazônica e sua preservação por meio de missões de apoio e de luta contra o garimpo ilegal de ouro na fronteira entre a França e o Brasil. No entanto, depois de todos esses anos, tive uma experiência enriquecedora tanto profissional quanto acadêmica, com encontros e oportunidades que me permitiram aceitar desafios, apesar de voltar a estudar depois de mais de seis anos e meio servindo a França nas forças armadas. Também tive a sorte de conhecer países africanos, como a República da Costa do Marfim, Burkina Faso e Níger, em operações exteriores como piloto de veículo blindado leve em Pelotão de Reconhecimento e Intervenção em 2019. Feedback sobre meu estágio na UFPA e minha colaboração com a Jucarepa Ao final do meu contrato militar, decidi me matricular na Universidade de Poitiers porque queria ter minhas competências linguísticas reconhecidas, já que pretendia entrar no campo das relações internacionais. Então, validei meu perfil como especialista em língua portuguesa e profissional avançado em espanhol, de acordo com os padrões da OTAN, o que me deu uma equivalência universitária muito importante para ingressar na Universidade de Poitiers em formação contínua. Em seguida, entrei no segundo ano do curso de graduação em LEA em 2022, que se estenderá até 2024. Também agradeço a todos os meus professores e, em especial, à Dra. Karina Marques, professora de português e codiretora do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de Poitiers, que me deu muita motivação para fazer um estágio no Brasil. Durante o meu 3° ano, tive a oportunidade de ir ao Brasil do dia 8 de abril a 8 de junho de 2024 para fazer um estágio internacional na Universidade Federal do Pará na Universitec, que é uma Agência de Inovação Tecnológica que apoia e ajuda startups a promover a proteção, aplicação e disseminação do conhecimento, bem como o empreendedorismo inovador em favor da competitividade e do desenvolvimento sustentável da Amazônia. Fui responsável por apresentar ao mundo a semente de cumaru, também conhecida como Fava Tonka, com a empresa “JUCAREPA”, incubada na Universitec para desenvolver seu comércio internacional. Também fui responsável pela publicação de artigos no site oficial da agência e pela manutenção das redes de comunicação social. Isso me permitiu ter encontros de negócios e visitar empresas industriais do Estado comempreendedores inovadores que trabalham com questões amazônicas, como a empreendedoraZONI RIBEIRO Ana Lídia, criadora e produtora do hidromel “Uruçun”, feito com mel de abelhasem ferrão em Belém, que está trabalhando com a UFPA para incubar sua empresa. Minha experiência como franco-brasileiro e como intermediário entre a UFPA e a Universidade de Poitiers   Minhas origens brasileiras vêm de minha mãe, natural do estado do Pará e, mais especificamente, da cidade de Castanhal, que chegou à Guiana Francesa na década de 1990 e, posteriormente, conheceu meu pai, francês originário da Guadalupe que já trabalhava no centro espacial do CNES (Centre nationales d’études spatiales) em Kourou desde a década de 1970. Me sinto muito grato por ter crescido nas terras amazônicas da França, com todas as suas riquezas biológicas, culturais e linguísticas que me permitiram aprender a falar vários idiomas, incluindo português, crioulo e espanhol, além de conviver com muitas outras línguas Bushinengue (Ndjuka, Boni, Saramaka) e línguas indígenas (Kali’na, Téko, Wayana, Palikur), que desde o nascimento nos forçaram a ter um estilo de vida praticamente bilíngue e até trilíngue. Embora a influência brasileira seja muito forte na Guiana Francesa, eu mesmo só havia visitado o Brasil algumas vezes, apesar de morar bem ao lado. Durante o período em que estive lá, minha dupla nacionalidade me permitiu viajar livremente e fazer vários contatos por correspondência com colegas do Brasil, onde tive o imenso prazer de conhecer tanto em nível pessoal quanto profissional. Fazer esse estágio em Belém foi para mim uma excelente oportunidade de intercâmbio entre nossos dois países. Os intercâmbios e o trabalho realizado durante meu estágio me permitiram desenvolver ótimas relações com o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará e com a direção da UFPA, que me pediram para me tornar seu correspondente para recomendar futuros estudantes estagiários para que eles pudessem descobrir as riquezas de Belém do Pará! Belém sediará a COP 30 este ano, o que levará a uma nova cooperação em muitos aspectos econômicos graças à sua alta biodiversidade amazônica nos próximos anos. Atualmente, Justine Boissinot (cujo texto foi publicado no blog no dia 8 de maio de 2025), minha ex-colega de classe no curso de graduação LEA, está no 1° ano de mestrado “Trilingual International Business Negotiator” na Universidade de Poitiers, e está fazendo um estágio de dois meses na UFPA em uma agência de inovação e incubação de startups (SInD UFPA), graças à minha indicação e recomendação. Estou ajudando e orientando- a para que sua mobilidade ocorra nas melhores condições

A artista por trás do logo do CFBBA

A artista por trás do logo do CFBBA Nathî Cordeiro Artista Travesti Indígena, estudante de Arquitetura e Urbanismo na UNICAMP e formada em Desenho e Pintura a mão livre Email: natravesthi@gmail.com Você pode nos contar um pouco sobre você? Quem é Nathî Cordeiro? Sou Nathî Cordeiro, uma travesti, pessoa com deficiência (PcD) e em retomada indígena, nascida e criada em Amambai (MS), cidade fronteiriça com o Paraguai. Minha trajetória é marcada pela potência das margens — dos corpos dissidentes, das culturas indígenas em resistência e da arte como ferramenta de insurgência. Atualmente, curso Arquitetura e Urbanismo na UNICAMP e sou formada em Desenho e Pintura a mão livre. Minha atuação transita entre a academia, o ativismo e a criação artística, sempre com um olhar interseccional que entrelaça arte, design e metodologias decoloniais. Qual é a sua trajetória acadêmica e profissional até aqui? O que te levou a escolher estudar arquitetura? Minha trajetória acadêmica começou com a formação em Desenho e Pintura a mão livre, mas foi na Arquitetura e Urbanismo que encontrei um campo fértil para pensar espaços como gestos políticos. Escolhi arquitetura porque ela permite transformar territórios físicos e simbólicos — uma forma de materializar lutas por ocupação, memória e pertencimento. Na UNICAMP, integro o Escritório Modelo Móbile e o Ateliê TRANSmoras, onde trabalho com projetos que dialogam com arte e decolonialidade. Além disso, já participei de pesquisas sobre gênero e sexualidade no CIEC e atuei em coletivos como o Núcleo de Consciência Trans (NCT) e a Abya Yala Criativa (AYC), plataforma de moda indígena. Como você começou a trabalhar com arte, ilustração e design gráfico? Foi algo planejado ou que surgiu ao longo do caminho? A arte sempre esteve presente na minha vida, mas foi um caminho que se desdobrou naturalmente. Comecei com o desenho e a pintura, e, ao entrar na arquitetura, percebi como o design gráfico e a ilustração podiam ser armas de luta — seja nos movimentos estudantis, indígenas ou trans. Não foi algo totalmente planejado, mas uma resposta às necessidades de comunicação e resistência que encontrei no caminho. Hoje, uso a arte para insurgir narrativas, seja em cartazes, ilustrações ou projetos de ocupação de espaços. De que forma sua identidade, enquanto artista, pessoa indígena e pessoa trans, se reflete no seu trabalho e nas suas criações? Minha identidade é o cerne do meu trabalho. Como uma travesti indígena, carrego memórias de resistência que se traduzem em estéticas dissidentes. Minhas criações questionam padrões coloniais, celebram corpos-território e reivindicam espaços para existências marginalizadas. A arte, para mim, é um ato político: cada traço, cada cor, cada composição precisa carregar essa ancestralidade e insurgência. Para você, qual é o papel da arte no fortalecimento das pautas e das lutas dos povos indígenas hoje? A arte é uma ferramenta fundamental de denúncia, memória e celebração. Ela traduz lutas complexas em narrativas acessíveis, conecta gerações e ressignifica símbolos coloniais. Para os povos indígenas, a arte é resistência viva — seja na pintura corporal, no grafismo, na moda ou no design contemporâneo. Através dela, reafirmamos nossa existência, combatemos estereótipos e construímos futuros possíveis. Como você enxerga o movimento indígena atualmente (no Brasil)? Quais são, na sua visão, os principais desafios e avanços? Vejo um movimento indígena cada vez mais plural e fortalecido, com lideranças jovens, mulheres e LGBTQIAPN+ ocupando espaços. Avançamos em visibilidade e articulação, mas os desafios ainda são brutais: o avanço do agronegócio, a violência contra lideranças e o racismo estrutural. A retomada de territórios e a luta por políticas públicas são urgentes, mas também vejo uma potência criativa enorme, pois estamos cada vez mais usando a arte, o direito e a tecnologia para reescrever a narrativa colonial. Qual é a sua visão sobre os temas relacionados à conservação da biodiversidade, à proteção da floresta amazônica e ao papel dos povos indígenas nesse contexto? Como bem sabemos, os povos indígenas são guardiões ancestrais da biodiversidade e nenhuma política de conservação será efetiva sem seu protagonismo. A Amazônia e os outros biomas só ainda existem hoje porque indígenas os protegeram por séculos. O desafio é combater a ideia de que “desenvolvimento” significa destruição e mostrar que nossas práticas tradicionais são soluções reais para a crise climática. Existe uma mensagem que você gostaria de transmitir através do seu trabalho artístico e, em particular, através do logo criado para o CFBBA? O logo que criei para o CFBBA constrói uma ponte entre mundos. O japu, com sua cauda colorida voando sobre as copas das árvores, representa o diálogo entre os saberes franco-brasileiros e a sabedoria ancestral amazônica. Seu degradê de cores simboliza essa aliança transatlântica pela biodiversidade, onde o conhecimento científico e tradicional se encontram harmoniosamente. O voo do japu, pássaro que não reconhece fronteiras, reflete o espírito do CFBBA: uma instituição que ultrapassa limites geográficos para proteger a Amazônia, honrando as memórias e histórias que nela habitam. O design reforça um princípio fundamental: toda pesquisa e ação deve ser realizada com os povos da floresta, nunca sobre eles. Mais do que um símbolo, este logo é um compromisso visual – com a ciência colaborativa, com a floresta viva e com os saberes tradicionais que, quando unidos, podem construir um futuro mais sustentável. O japu voa para lembrar que conservar a Amazônia é, antes de tudo, valorizar seus guardiões originais. Você gostaria de compartilhar algum projeto, sonho ou perspectiva para o futuro? Tenho sonhado com projetos que transformem o olhar da sociedade sobre corpos dissidentes — porque somos nós que gestamos as revoluções. Quero que minhas criações sejam pontes, ferramentas que revelem ao mundo que merecemos ser respeitados e termos nossos direitos garantidos. Meu trabalho existe para abrir caminhos, para que os meus — travestis, indígenas, pessoas com deficiência e todas as existências marginais — não apenas sobrevivam, mas floresçam.

Apresentação do ecossistema de pesquisa e inovação na Guiana Francesa

Apresentação do ecossistema de pesquisa e inovação na Guiana Francesa Nadine Amusant Delegada Regional de Pesquisa e Tecnologia na Guiana Francesa Email: nadine.amusant@guyane.gouv.fr Guiana Francesa: um território de excelência para a pesquisa e a inovação Localizada no coração da Bacia Amazônica, a Guiana Francesa distingue-se por sua posição geográfica estratégica e por sua dupla inserção: simultaneamente uma região ultraperiférica da União Europeia e uma parte essencial da Amazônia. Com uma biodiversidade excepcional e uma diversidade cultural singular, a Guiana apresenta-se como um locus estratégico para o desenvolvimento de pesquisas científicas e processos inovadores. Frente aos desafios impostos pelas mudanças globais — como as alterações climáticas, a perda da biodiversidade, a transição energética, a segurança alimentar e a saúde pública —, a pesquisa na Guiana afirma-se como um vetor fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável. Esse esforço apoia-se em um ecossistema de atores estruturado, dinâmico e orientado tanto para as demandas locais quanto para as questões globais. Um ecossistema estruturado em torno da Universidade da Guiana Francesa A Universidade da Guiana ocupa uma posição central no ecossistema científico regional, mantendo estreita colaboração com os principais organismos nacionais de pesquisa presentes no território: CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica, voltado para todas as áreas do conhecimento), IRD (Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento, especializado em pesquisas voltadas aos países tropicais e ao desenvolvimento sustentável), INRAE (Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente), CIRAD (Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento, com foco na agricultura sustentável em regiões tropicais e subtropicais), Institut Pasteur de Guyane (instituto de referência em pesquisa biomédica, especialmente em doenças infecciosas tropicais), IFREMER (Instituto Francês de Pesquisa para a Exploração do Mar, dedicado às ciências marinhas), BRGM (Bureau de Pesquisas Geológicas e Minerais, especializado em geociências), INRAP (Instituto Nacional de Pesquisas Arqueológicas Preventivas, responsável por estudos e salvaguarda do patrimônio arqueológico antes de obras de desenvolvimento) e o Muséum National d’Histoire Naturelle. Em conjunto, essas instituições desenvolvem uma pesquisa interdisciplinar de excelência, organizada em torno de quatro grandes eixos temáticos: Biodiversidade amazônica e valorização sustentável dos recursos naturais Saúde das populações e saúde global em contexto tropical Tecnologias inovadoras e bioinspiradas a partir da Amazônia Dinâmicas sociais, ambientais e governança dos territórios amazônicos A articulação científica, sob a responsabilidade principal da Comissão de Pesquisa e Inovação na Amazônia (Commission Recherche Innovation en Amazonie – CORIA), coordenada pela Universidade, promove a integração dos diferentes atores da pesquisa, fomenta parcerias institucionais e maximiza a capilaridade e os efeitos das ações científicas no território. A esse conjunto de instituições e competências somam-se ainda o LABEX CEBA (Centro de Estudos da Biodiversidade Amazônica), o LABEX DRIHM (Dispositivo de pesquisa interdisciplinar sobre as interações entre seres humanos e meio ambiente) e a rede dos Observatórios Homem-Meio (Observatoires Hommes-Milieux – OHM). Infraestruturas científicas de excelência A Guiana dispõe de equipamentos de pesquisa de ponta, adaptados às especificidades tropicais e amazônicas: Estações florestais de Nouragues e Paracou, referências internacionais para o estudo do funcionamento das florestas tropicais   Torre de fluxo para medição das trocas gasosas nos ecossistemas   Vectopole e laboratórios de contenção biológica, especializados no combate às doenças transmitidas por vetores   Centros de recursos biológicos de plantas perenes e o Centro de Recursos Biológicos Amazônia (amostras clínicas)   Bioteca: Herbário de Caiena, Xiloteca, coleção entomológica e coleção de mamíferos (JAGUAR)   Navio de exploração científica para pesquisas em ambientes marinhos   Observatório instrumentado dos manguezais   Estação de monitoramento do meio ambiente amazônico assistida por satélite (SEAS)   Essas infraestruturas conferem à Guiana francesa uma posição singular como plataforma de observação de longo prazo dos socioecossistemas, inserida em uma lógica de ciência aberta, cooperação internacional e apoio à formulação de políticas públicas. Uma dinâmica de inovação a serviço do território A pesquisa desenvolvida na Guiana Francesa articula-se a um expressivo potencial de inovação, ancorado simultaneamente no setor espacial — representado pela presença do Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES) — e na valorização estratégica dos recursos naturais, visando à promoção de soluções alinhadas às necessidades específicas do território. O Centro de Engenharia Bioinspirada da Guiana (Centre d’Ingénierie Bioinspirée de Guyane – CIBIG), coordenado pela Agência Guiana Desenvolvimento Inovação (GDI), impulsiona o surgimento de soluções inovadoras nos setores de eco-construção, química de base vegetal e alimentação sustentável, fundamentando-se nas plataformas tecnológicas dos laboratórios. Essa dinâmica é ainda fortalecida pelas ações do Instituto Amazônico da Biodiversidade e da Inovação Sustentável (Institut Amazonien de la Biodiversité et de l’Innovation durable – AIBSI), que reúne forças acadêmicas, econômicas e sociais em torno de um objetivo comum: transformar a biodiversidade em um motor de inovação para responder, de forma local, aos desafios globais. Três prioridades estruturam sua atuação: Promoção de uma alimentação saudável e sustentável Fomento a uma saúde global e integrativa Desenvolvimento de construções adaptadas aos ambientes tropicais Uma Amazônia francesa a serviço das transições Em razão da notável riqueza de seus ecossistemas, da diversidade sociocultural e de seu expressivo potencial científico, a Guiana configura-se como um ambiente privilegiado para a experimentação e a implementação de modelos de desenvolvimento sustentáveis, equitativos e resilientes. Ao articular excelência científica, inovação territorial e cooperação internacional — notadamente no âmbito do Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica (CFBBA) —, a Guiana contribui de maneira ativa e estratégica para a produção de conhecimento e para a formulação de soluções voltadas ao enfrentamento das grandes transições ambientais, sanitárias e sociais que caracterizam a contemporaneidade.

De Poitiers a Belém: uma estudante francesa na UFPA

De Poitiers a Belém: uma estudante francesa na UFPA Justine Boissinot Estudante de mestrado em Negociação Trilíngue em Comércio Internacional na Universidade de Poitiers e estagiária na agência de inovação e incubação de startups da UFPA (SInD UFPA). Email: justine2002.boissinot@gmail.com Chegar a Belém, no coração da Amazônia brasileira, é como mudar de mundo.O clima, os sons, os sabores… tudo é novo, intenso, vibrante. Mas além da descoberta cultural, é uma verdadeira aventura intelectual e humana que estou vivendo na Universidade Federal do Pará (UFPA). Sou uma estudante francesa de mestrado em negociação trilíngue em comércio internacional, e tenho a sorte de realizar meu estágio na Universitec, a incubadora tecnológica da UFPA. Quero compartilhar minha experiência tanto pessoal quanto profissional nesta universidade profundamente enraizada no território amazônico, onde se cruzam ciência, biodiversidade e inovação. A UFPA não está apenas situada na Amazônia — ela é amazônica em sua essência. As pesquisas desenvolvidas, os projetos estudantis e as parcerias locais giram em torno da valorização e da preservação desse território único. Isso me leva a repensar minhas referências: aqui, a biodiversidade não é um conceito abstrato, mas uma realidade concreta, onipresente, que molda projetos, reflexões e prioridades. Nesse contexto, a Universitec desempenha um papel essencial. Trata-se de uma incubadora de empresas inovadoras cuja missão é apoiar projetos baseados nos recursos naturais da Amazônia, especialmente no campo da bioeconomia. As empresas que acompanho diariamente são, em sua maioria, jovens iniciativas oriundas de pesquisas universitárias ou de projetos locais, que buscam valorizar produtos naturais como óleos essenciais, extratos vegetais ou cosméticos orgânicos. Meu papel é ajudá-las a estruturar tanto sua estratégia de marketing quanto sua estratégia de desenvolvimento para exportação. Trabalho com aspectos como comunicação intercultural, escolha de mercados-alvo, adaptação dos produtos às normas internacionais e busca por parceiros. É uma missão apaixonante, pois me permite aplicar meus conhecimentos em comércio internacional e, ao mesmo tempo, aprender uma outra forma de inovar: mais respeitosa com o meio ambiente, mais inclusiva, mais enraizada no território. O que descubro aqui é uma bioeconomia que não se limita à exploração racional dos recursos: ela integra os saberes tradicionais, valoriza as comunidades locais e busca um equilíbrio entre desenvolvimento econômico e respeito à floresta. É uma visão exigente, mas profundamente inspiradora. Ser uma jovem francesa na UFPA é, às vezes, ser confrontada com diferenças culturais, com uma outra forma de organizar o trabalho, com referências novas. Mas é, sobretudo, uma oportunidade extraordinária de troca, de partilha, de construção conjunta. As equipes da universidade e da incubadora me acolheram com muita generosidade, e, a cada dia, sinto que contribuo com algo útil, mesmo que modestamente. Este estágio é uma experiência marcante em todos os sentidos: profissionalmente, porque me dá competências concretas e uma melhor compreensão das dinâmicas internacionais; e pessoalmente, porque me confronta com uma nova realidade, que me obriga a pensar de forma diferente. Sairei da UFPA com uma certeza: a Amazônia não é apenas um espaço a ser protegido, é também um espaço de futuro, de inteligência coletiva, de inovação responsável. E tenho orgulho de, durante alguns meses, ter encontrado meu lugar aqui.

A Fronteira Amapá (Brasil) e Guiana Francesa (França): desafios compartilhados, caminhos possíveis

A Fronteira Amapá (Brasil) e Guiana Francesa (França): desafios compartilhados, caminhos possíveis Gutemberg de Vilhena Silva Professor-pesquisador da UNIFAP, Diretor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amapá e coordenador geral do Amapá na COP30 Email: gutemberg@unifap.br Diante da emergência climática, do avanço da destruição da biodiversidade e da intensificação das desigualdades sociais e territoriais, a Amazônia volta ao centro do debate global. A realização da COP 30 em Belém do Pará, em 2025, coloca a região amazônica — em suas múltiplas escalas — como um território- chave para pensar respostas planetárias à crise civilizatória. Nesse contexto, a chamada “Amazônia Europeia”, representada pela Guiana Francesa, e a “Amazônia Brasileira”, que inclui o estado do Amapá, devem ser compreendidas como partes integrantes de uma mesma complexidade socioambiental que transcende fronteiras nacionais e exige ações articuladas de longo prazo. A COP 30, além de fórum político e diplomático, será uma vitrine para as soluções que emergem dos próprios territórios. Por isso, pensar a cooperação transfronteiriça entre o Brasil e a França no coração da floresta é uma forma de ensaiar práticas inovadoras de governança, proteção ambiental, valorização dos saberes tradicionais e justiça climática. A fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa é um território singular. Não apenas por marcar o encontro entre o Brasil e a França em plena Amazônia, mas porque carrega em seu cotidiano a complexidade de múltiplas pertenças, identidades cruzadas e dinâmicas geopolíticas únicas. Entre o rio Oiapoque e a floresta que os conecta, está uma das regiões mais emblemáticas — e desafiadoras — da cooperação internacional em biodiversidade, circulação e desenvolvimento sustentável. Desde 1996, Brasil e França firmaram um acordo-quadro que abriu espaço para ações conjuntas ao longo da fronteira. A criação da ponte binacional (Figura 1), inaugurada apenas em 2017, parecia ser o símbolo dessa nova era. Mas aprendemos que a infraestrutura física não basta: é preciso também construir pontes simbólicas, institucionais e humanas. Ao longo de mais de duas décadas de pesquisa e atuação na região das Guianas, apresentado uma das sínteses de nossa pesquisa em livro recente (www.projetoguianas.com.br), mas também em outras produções (ver em https://www2.unifap.br/potedes/), observamos que a cooperação real se dá quando escutamos as populações locais, valorizamos os saberes indígenas e tradicionais e criamos espaços contínuos de diálogo. Figura 1 – Ponte binacional entre o Amapá e a Guiana Francesa As Comissões Mistas Transfronteiriças (CMTs), por exemplo, mostraram que é possível alinhar agendas entre os dois países, inclusive com financiamento compartilhado ou estrategicamente pensado para ambos (Figura 2). Nelas, temas como mobilidade, saúde, educação, meio ambiente e segurança são debatidos — nem sempre com soluções imediatas, mas com aprendizados importantes sobre o que é possível quando se trabalha com respeito à diversidade e ao território. Figura 2 – Alguns dos projetos de fortalecimento de infraestrutura transfronteiriça entre o Amapá e a Guiana Francesa Nos últimos anos, a pandemia de Covid-19 reacendeu os debates sobre as fronteiras. O fechamento abrupto, as restrições de circulação e a falta de coordenação demonstraram o quanto precisamos reforçar nossa capacidade de cooperação. A biodiversidade da Amazônia, tão rica quanto ameaçada, não reconhece limites políticos — e a ciência, cada vez mais, precisa assumir esse papel de mediadora entre Estados, povos e ecossistemas. A Guiana Francesa é parte da União Europeia; o Amapá, do Brasil e do Mercosul. Essa diferença institucional — e de acesso a recursos — impõe desafios práticos à cooperação. Ainda assim, os dois lados da fronteira compartilham problemas semelhantes, como o impacto do garimpo ilegal, o controle de doenças tropicais e os efeitos das mudanças climáticas. Essas urgências comuns nos aproximam e reforçam a importância de instituições como o Centro Franco-Brasileiro de Biodiversidade Amazônica (CFBBA), que a partir de 2025, com regimento e regras institucionais, além de editais estratégicos para financiar pesquisadores binacionais, passa a atuar como ponte científica e política nesse processo. No CFBBA (Figura 3), a ciência missão ganha corpo e legitimidade. Unir Brasil e França em torno de projetos de pesquisa, conservação e valorização da Amazônia é mais do que desejável: é necessário. E a fronteira Amapá–Guiana Francesa pode (e deve) ser referência de como essa cooperação se materializa na prática — com seus avanços, contradições e potencial transformador. Figura 3 – Foto oficial da reunião do CFBBA em 2025

Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica (CFBBA)

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